Irmãs Brasil, Eloá Carvalho, Paul Setúbal, Rafael Bqueer, Emerson Uýra, Panmela Castro, Walla Capelobo, Manauara Clandestina, Gilson Plano, Matheus Morani, Diego de Santos, Rafael Adorján, Piti Tomé, Ruan D'Ornellas, Marcos Duarte, Ayla Tavares, Flora Ramos, Brígida Baltar, Xadalu Tupã Jekupé, Vicente de Mello, Ana Bia Silva, Vítor Mizael, Diambe Silva

Deriva Continental

17/11

Deriva Continental

EL MUNDO ACTUAL?
EL inMUNDO ACTUAL!
Nicanor Parra, 1983

Tentar reunir em uma superfície de inscrição algo maior que nós mesmos é o desafio levado a cabo por artistas e poetas através do tempo, cada um tentando a sua maneira, dar conta daquilo que os ultrapassa enquanto possibilidades de expansão. Deriva Continental reúne os ECOPOEMAS (1983), do poeta chileno Nicanor Parra, com trabalhos de artistas que em diálogo almejam romper com os limites entre subjetividades e seu entorno. Compreender a dimensão do mundo com nossa acanhada proporção pode ser um desacato ao contentamento físico, sobrando assim, a poética como estratégia de elaboração. Por isso, tanto artistas, quanto poetas se destacam nesse exercício. E nas palavras do filósofo Jean Marc Besse, podemos aproximar também, os cartógrafos, pois tanto Na paisagem do mundo, como na coleção de mapas, encontra-se a mesma tendência à enciclopédia e a mesma preocupação de fazer desta enciclopédia uma experiência visual. Trata-se, na cartografia e na pintura, de reunir, num pequeno espaço, nos limites de uma superfície de inscrição, a totalidade dos caracteres do mundo terrestre.

Limitações geográficas impõem fronteiras políticas e imaginárias, que culturalmente alteram a ordem de vida de populações ao longo da história humana. E quando pensamos em história ̈humana ̈, devemos nos dar conta da insignificância desta frente à história geológica do ambiente sob o qual caminhamos. Podemos alcançar, através da geografia e geologia, tempos onde os atuais continentes não tinham oceanos como bordas (ao menos como conhecemos). Os perímetros continentais dão pistas, que levaram o cartógrafo Abraham Ortelius a apresentar pela primeira vez a hipótese acerca da deriva dos continentes em 1595. Seguido por Charles Lyell, que em Principles of geology (1872) afirmou que os continentes “embora permanentes por épocas geológicas inteiras, mudam suas posições inteiramente com o passar dos anos. A grande lentidão com que sempre ocorre a mudança resulta de uma peculiaridade na configuração externa da crosta terrestre”

E, com base nessas ideias, o geofísico Alfred Wegener foi o primeiro a usar a frase “deriva continental” em Die Entstehung der Kontinente (1912)

Nesta exposição pensamos na articulação entre cinco eixos, onde a geografia é abandonada e vinte e três artistas, cada um ao seu modo, vão tecendo caminhos transcontinentais, que junto às palavras de Nicanor Parra, pensam a América Latina com suas urgências em prol da manutenção de uma biosfera habitável, onde as “gentes” não se sobrepõem às matérias que se avizinham em nosso tempo. Se os continentes puderam se mover, novas formulações podem ser possíveis, ainda que para isso a imaginação deva ser tensionada até o limite, para que então, surja a voz de um coro planetário. Abandonando o tempo e as categorias que dele advêm, a permanência e a simbiose, tornam-se plausíveis como uma onda migratória rumo ao futuro.

Buenas Noticias:
la tierra se recupera en un millón
de años
Somos nosotros los que desaparecemos

As duas fotografias da série Limite Oblíquo, de Vicente de Mello, propõem exercícios ficcionais a partir dos sedimentos de eventos meteorológicos, que trazidos à margem, formam figuras como 4.9 milhões (2021) e Fóssil (2021), o desejo de uma arqueologia que se constrói pela ruína, marcas de um tempo que a vida humana não alcançaria sem os disparadores imaginários. Anseios presentes também na série Lugares remotos (2019) de Piti Tomé, onde printscreens de imagens de satélites apresentam lugares longínquos que tomam como pressuposto a distancia humana que ainda não invadiu tais ambientes, livres da ação física, mas como o centro de uma grande cidade, suscetíveis aos impactos globais. Por sua vez, a paisagem proposta por Eloá Carvalho em Margens desconvizinhas n.2 (2016) ressalta a evanescência da presença humana, que delineia a costa que é observada. E testemunhamos em Lançamento (2020) de Diego de Santos, um big bang interior que extravasa as fronteiras de seus contornos, onde pertencimento e nomadismo servem como metáfora para a deriva da interioridade. A terra, assim, torna-se apenas um palco, onde aparição e desaparição bailam enquanto a morte e a vida oscilam como um Pêndulo de Foucault, e seu
balanceio perpétuo, concebido para demonstrar a rotação da Terra em relação a seu próprio eixo.

El error consistió
en creer que la tierra era nuestra
cuando la verdad de las cosas
es que nosotros somos de la tierra

Os Ciclos de vida evidenciados na série Vestígios imagináveis (2019) de Marcos Duarte, aproximam, osso e terra, pó e vida. Repercussão e eco-simbiose, como Emerson Uyrá projeta em Ensaio Fogo (2018) da série Elementar, onde em suas próprias palavras são “ imagens inspiradas em histórias naturais de bichos, gentes e plantas, que driblam a desgraça com beleza, potência e diversidade”. Em O que me envolve (2021) de Ana Bia Silva, vemos a mesma metamorfose, em impressões de mulheres em palha, ao mesmo tempo, matéria e invólucro, memória e cuidado. Xadalu Tupã Jekupé, yvy ́i (2019), retorna a figura do milho e terra da aldeia Pindó Mirim na gravura que integra a série Cosmovisão, onde partindo da mitologia Guarani Mbya propõe o pensamento como genesis para criação de um novo mundo, conhecimento ancestral, e que a partir do milho, pode comunicar mundo espiritual e físico. Barro e saberes ancestrais dão formas as 88 mini moringas que formam a instalação Na hora da sede (2021) de Walla Capelobo, que além de receptáculo de cerâmica para carregar água, são tecnologias que possibilitam trazer o rio para perto daqueles que têm sede. Necessidade fisiológica que orienta também a xilogravura de Flora Ramos, já que Água Viva (2019) traz a Espada de São Jorge, conhecida por ser uma plantas com ação purificadora para os ambientes e energias assentada em um filtro São João, aparato cerâmico que utiliza a força da gravidade para purificação da água, que desde sua criação na virada do século XIX para o XX – uma época marcada pelo contágio de doenças epidêmicas-, influi na saúde pública. Misticismo e invenção em prol da satisfação e manutenção corpórea e espiritual, moldada pela água, substância essencial para a origem e sustento da vida. Terra | Água ·

Ya no pedimos pan
techo
ni abrigo
nos conformamos con un poco de aire
EXCELENCIA!

A resistência e a continuidade são elementos que chamam atenção em distintos ecossistemas, como Ori (2020), integrante da série de mucosas de Diambe da Silva, pensadas como raízes crioulas que através da união de radículas comestíveis – batata doce, inhame, açafrão-da-terra e gengibre – que somam-se à um dos mais antigos vestígios alimentares da humanidade, o pão, provisão encontrada em assentamentos com mais de 30 mil anos. Como a cerâmica, os pães são queimados e junto aos tubérculos crescem ocupando espaços expositivos, como mucosas que revestem as cavidades do organismo e se abrem para o ambiente exterior. Ambiente esse, usado como superfície para os desenhos de Vitor Mizael, que em Sem título (2015) utiliza caixas usadas para transportar objetos de arte, como suporte para o desenho de pássaros impossíveis, onde as relações de opressão são moldadas pelo fantástico que se revela pelo lado externo. Relações interespécies estão similarmente presentes nos trabalhos de Ruan D’Ornellas, que em Processo de gentrificação (2020), pensa ciclos da vida e processos urbanos, a partir da transformação e remodelação de colméias como ninhos para João de Barro, operárias desalojadas por forças desproporcionais. Gentrificação também funciona como interesse de pesquisa de Rafael Bqueer, que performa a alienação ambiental em contato com fábulas em Alice – Chá Olímpico (2016), onde a literatura infantil se mescla à questões vinculadas à expropriação e a falta de saneamento básico, problemáticas periféricas, no século XXI, agravadas pelos grandes eventos globais.

..ojo
peligro
…a
cero metro

Em Pink (2020), as Irmãs Brasil dançam em frente a paisagens bélicas, buscando sobrepor realidades de condenação adiando um fim em meio a guerra iminente, tendo o risco como projeção a ser superada sobre os corpos das travestis brasileiras, corpos que resistem a tanques de guerras e as dinâmicas de morte perpetradas pela colonialidade global. Neste mesmo sentido, Manauara Clandestina, apresenta seu díptico Colônias (2017-2018), onde a catequese se atualiza junto ao misticismo popular, tendo no ato fotográfico a inserção do seu olhar sobre a realidade das cidades, onde a caminhada é acompanhada pelo constante risco à espreita, onde o mundo espiritual de outrem, se interpõe sobre o mundo daquelas que querem viver e circular para além da colonialidade cotidiana. Panmela Castro em o vídeo Medo (2019), articula a hiper visualização da violência a partir da técnica de execução milenar, o apedrejamento, mas que subverte a agência do poder, desmantelado pela ação da artista. Método similar ao utilizado por Paul Setúbal na série Compensação por excesso (2018), onde o cassetete, instrumento de afirmação da força militar contra o corpo de manifestantes, tem sua rigidez potencializada pelo uso do bronze, mas que insubordinadamente, registra um negativo do corpo do artista. Corpos mais resistentes que o nitreto de boro hexagonal, os quais, na tormenta resistem, ainda que o medo, possa suspirar sobre suas peles. Construções que pensam o limite da fragilidade humana, como na instalação Lugar Seguro (2018) de Morani, onde o perigo não se contém no interior, nem no exterior, mas sim no território entre ambas delimitações, como as disputas fronteiriças, que tem no entre lugares a marca do risco do deslocamento.

basta de profecías apocalípticas
ya sabemos QUEL MUNDO SE ACABÓ

O mundo continua, ainda que submerso em profecias sobre o fim, os continentes ainda se movem, as estações ainda continuam. Rafael Adorjan em Religare 9 (2014), registra detalhes que ultrapassam as visões propiciadas pela Ayahuasca, abolindo as delimitações da realidade e voltando-se para a interioridade como caminho além. A forma espiralar, sob a qual é moldada a cerâmica Caninana (2020) de Ayla Tavares, é presente em distintas configurações biológicas, na pequenez da dupla hélice do DNA e na imensidão de uma galáxia. Tanto uma serpente característica da América do Sul, quanto uma personagem mítica do folclore brasileiro. Enquanto, Gilson Plano em Dormimos: eu no início e ele no fim (2019), pensa a ficção e encantamento, onde a memória toma forma como escultura, ao dormir, alfa e ômega, início e fim, tensiona a temporalidade ultrapassando as vidas que experienciam o mundo do agora. Encontro no sono, onde tanto a vida que se inicia é encharcada do suspiro que se esvai, assim, equilibrando aquilo que está no presente. Próximo ao modo como Brígida Baltar formula Algumas perguntas (2006/2019), enquanto o barco corta a água, derivando rumo a um norte de questionamentos, onde a veracidade e a fábula submergem no esquecimento.

A teoria da Deriva Continental só foi finalmente aceita com base em fósseis de répteis aquáticos encontrados no Brasil e na África do Sul (Mesosaurus) e répteis terrestres encontrados na África, Índia e Antártica (Lystrosaurus). Pequenos seres que serviram para aceitação da flutuação de continentes, o macro confirmado pelo micro. Equilíbrio e deslocamentos transtemporais, o múltiplo podendo se revelar uno. Todas essas derivações se dão neste planeta e na atual configuração geológica da Terra, mas ao mesmo tempo não se conformam nelas. Em Deriva Continental, apresentamos sonhos coletivos, que se experienciam em exposição. Assim, a paisagem e a ambiência, embora estejam no mundo, não se configuram apenas por ele, sendo a imaginação capaz de guiar a produção artística por outras realidades possíveis. Temporalidades difusas que confundem e se fundem. Se Abraham Ortelius em 1595 pode perceber que os continentes vagam como uma massa flutuante pela litosfera terrestre, como concluir que algum postulado possa delimitar o que é possível criar? viver?sonhar? O mundo compartilhado por nós é o mais comum dos possíveis. As urgências climáticas apenas atestam o esgotamento de nossos problemáticos modos de vida. Sendo assim, a deriva, com os pés apoiados nos continentes possíveis de serem habitados, revela-se o único caminho possível.

Aldones Nino


  • Ana Bia Silva

    O que me envolve, 2021



    Jato de tinta, gelatina, alúmen de potássio e goma laca sobre palha de milho Edição: única (cada)


  • Marcos Duarte

    Série Vestígios imagináveis, 2019



    Impressão em papel algodão

    50 x 75 cm


  • Vicente Mello

    4.9 milhões, 2021



    Impressão sobre papel Hahnemühle Photo Rag Baryta

    45 x 60 cm


  • Vicente Mello

    Fóssil, 2021



    Impressão sobre papel Hahnemühle Photo Rag Baryta

    45 x 60 cm


  • Piti Tomé

    37° 18 0 S, 12° 40 48 W (Série Lugares Remotos), 2019



    impressão sobre papel de algodão

    21 x 27 cm


  • Matheus Morani

    Lugar seguro, 2018



    Instalação com cacos de vidro dispostos em círculo


  • Gilson Plano

    Dormimos: eu no início e ele no fim, 2019



    Velas, lenço, espelho, desenho em carbono

    30 x 150 cm


  • Irmãs Brasil

    PINK, 2020



    Vídeo | Som | Cor

    42m 12s


  • Rafael Adorján

    Religare 9, 2014



    Impressão em jato de tinta sobre papel de algodão hahnemühle 180g

    30 x 45 cm


  • Eloá Carvalho

    Margens desconvizinhas, n.2, 2016



    óleo s/ tela

    20 x 25 cm


  • Walla Capelobo

    Na hora da sede , 2021



    Mini moringas em cerâmica


  • Panmela Castro

    Medo, 2019



    Vídeo | Cor | 1'08

    1m 8s


  • Ayla Tavares

    Caninana, 2020



    Cerâmica esmaltada

    19 x 19 x 2 cm


  • Xadalu Tupã Jekupé

    yvy i/ (Cosmovisão), 2019



    Gravura em metal e terra da aldeia Pindó Mirim

    40 x 60 cm


  • Emerson Uýra

    S/t (Série: Elementar Fogo), 2018



    Impressão em papel fine art

    90 x 60 cm


  • Diego de Santos

    Lançamento, 2020



    Lápis dermatográfico, lápis de cor, ráfia pintada e esmalte sintético sobre saco de ráfia.

    73 x 60 cm


  • Paul Setúbal

    Série Compensação por Excesso, 2018



    cassetete fundido em bronze com negativo do corpo do artista gravado


    Dimensões Variáveis


  • Flora Ramos

    Água viva, 2019



    Xilogravura em MDF sobre papel Marcato

    45 x 65 cm


  • Manauara Clandestina

    Colônias, 2017



    Impressão em papel fine art (díptico, ed. 5)

    40 x 30 cm


  • Brígida Baltar

    Algumas perguntas, 2006



    MiniDV remasterizado para HD 2’16” | cor | sem áudio

    2m 16s


  • Rafael Bqueer

    Alice - Chá Olímpico, 2016



    Impressão em papel fotográfico

    73 x 113 cm


  • Ruan D'Ornellas

    Processo de gentrificação, 2020



    Acrílica sobre tela

    75 x 50 cm


  • Vítor Mizael

    Sem título, 2015



    Grafite sobre madeira


  • Diambe da Silva

    Orí, 2020



    Óleo sobre tela

    45 x 110 cm

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